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Unicamp - Asa da palavra

 




Cultura e Sociedade

Asa da Palavra publica em livro pela 1ª vez romance brasileiro do século 19

Obra busca proporcionar a redescoberta do intelectual sergipano Constantino José Gomes de Souza


07 jul 2025


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Autoria Helena Tallmann

Edição de Imagem Alex Calixto

Fotografia Antoninho Perri Antonio Scarpinetti Divulgação

Aeditora-escola do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, Asa da Palavra, publicou a primeira versão em livro do romance Arycurana, passados 150 anos da publicação original, realizada no formato de folhetim, no século 19. Com isso, o público ganha acesso gratuito e inédito a essa obra do escritor sergipano Constantino José Gomes de Souza, cujos trabalhos são contemporâneos aos de nomes como Machado de Assis, José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo. O livro está disponível no formato e-book no site da editora.


Para o organizador da obra, o professor de história Moisés Santos Souza, permitir às novas gerações acessar obras literárias torna possível que autores sejam lembrados e estudados. De acordo com o docente, Arycurana não dialoga com a realidade atual, mas oferece um importante registro da história do Brasil e da literatura. “Esses autores menores estavam circulando entre os escritores que entraram para o cânone e podem tê-los influenciado ou podem ter sido influenciados por eles. Apesar de ser um romancista de Sergipe, Constantino Souza não escreveu uma obra necessariamente regional: essa obra foi produzida e lida no Rio de Janeiro, era uma produção do centro para a periferia”, tendo recebido elogios nos periódicos da época, afirmou.



Ilustração de Constantino (Crédito: Semana Ilustrada. Ano XIII, n. 635. Rio de Janeiro, 09 fev. 1873. p. 5076. Arquivo Hemeroteca Digital/BN)

Ilustração de Constantino (Crédito: Semana Ilustrada. Ano XIII, n. 635. Rio de Janeiro, 09 fev. 1873. p. 5076. Arquivo Hemeroteca Digital/BN)

O produtor editorial da Asa da Palavra, Luiz Mauricio Azevedo, ressalta ser “quase como se estivéssemos propondo um novo autor para a literatura brasileira – um autor que já existe, mas que ganhou a possibilidade de ser revisitado. No caso desse romance, ele vem com todas as suas idiossincrasias originais, que serão peça de estudo para pesquisadores da linguagem”.


O romance, disponibilizado em 31 edições do periódico fluminense Semana Ilustrada entre novembro de 1874 e junho de 1875, é a única obra de Constantino Souza que segue a corrente indianista do romantismo brasileiro – a exemplo de títulos como O Guarani (1857) e Iracema (1865) – e não foge às problemáticas desse movimento literário. “Vemos a idealização do índio pelo olhar do descendente do colonizador: aquela coisa meio nativista, um índio esbranquiçado”, disse o professor e história.


O enredo narra a disputa  entre dois filhos de caciques, Jukeriorana e Borapitinga, pelo amor da índia tupinambá Arycurana.  A rivalidade interrompe-se quando da invasão do território sergipano por tropas portuguesas comandadas pelo conquistador Cristóvão de Barros. A obra mistura personagens históricos e fictícios, remontando ao período das “guerras de conquista” em Sergipe no final do século 16.



O produtor editorial da Asa da Palavra, Luiz Maurício Azevedo 

O produtor editorial da Asa da Palavra, Luiz Maurício Azevedo

A editora-escola, em conjunto com o professor de história, optou por preservar as características originais do romance, mantendo os aspectos considerados controversos do texto. “A função de uma editora-escola é justamente garantir a sobrevivência das obras para que essas possam ser analisadas. Não podemos castrar as coisas antes de existirem. Os alunos estão descobrindo ser muito interessante lidar com textos com os quais não concordam”, afirmou Azevedo.


Conforme o produtor editorial, o valor está justamente no fato de permitir aos leitores entrar em contato com uma obra do século 19 sem tentar mascarar os traços de uma outra época. Essa mesma preocupação materializou-se na capa elaborada pela Asa da Palavra. “A pintura retrata indígenas, mas não é feita por indígenas. Achamos que isso ambienta o leitor dentro de um universo e de um Brasil que já não existem mais”, disse o produtor editorial. As adaptações deram conta, ainda, de garantir a adequação da obra ao formato de livro digital.


Também determinante para esse projeto, um estudo histórico realizado pelo professor sustenta a publicação. A leitura vem acompanhada de notas explicativas – com dados históricos e geográficos, termos, palavras, expressões e personalidades – que auxiliam no entendimento do romance.





Márcia Abreu, professora do IEL e idealizadora da editora-escola 

Márcia Abreu, professora do IEL e idealizadora da editora-escola

Resgate histórico


A organização do livro partiu de uma curiosidade pessoal do docente. Graduado em licenciatura em história pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Souza nasceu e reside na mesma cidade do autor do livro, Estância (SE), onde, ainda na adolescência, conheceu o romancista por meio da imprensa local.


Isso o motivou a procurar os folhetins originais na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional a fim de recuperar esse pedaço da literatura nacional. A partir de então, teve início um trabalho artesanal de organização do material, que durou de 2020 até 2023. “Imprimi os folhetins, fiz o recorte de cada parte [do romance] e, depois, fiz a colagem [união dos capítulos]. A partir daí, comecei a transcrição e atualização da obra”, explicou.


Esse processo também valeu para o romance O grumete (1873/1874), outro título ainda não publicado em livro. O professor deseja fazer o mesmo com as demais obras de Constantino Souza, mas vem encontrando dificuldade de acesso aos materiais originais, alguns considerados perdidos.


Capa do livro Arycurana: romance em livro 150 anos depois da publicação original  

Capa do livro Arycurana: romance em livro 150 anos depois da publicação original

A publicação via Unicamp ocorreu a partir de um contato informal com a idealizadora da Asa da Palavra, a professora do IEL Márcia Abreu. A proposta, em seguida, ganhou o aval do Conselho Editorial. “A Asa da Palavra abriga uma linha editorial voltada à recuperação de textos literários raros ou esquecidos. Arycurana foi publicado dentro dessa linha, na qual já foram publicados diversos romances brasileiros e estrangeiros traduzidos”, disse a professora.


Entre outros exemplos desse esforço de popularização de textos inacessíveis há A República do Futuro, de Anna Bowman Dodd, Ernestina – ou cenas da vida contemporânea, de Gabriella de Jesus Ferreira França, e obras de Maria Benedita Bormann (mais conhecida pelo pseudônimo Délia). “Trata-se de obras que dialogam com questões políticas, sociais e de gênero e que ajudam a reconfigurar nossa compreensão da literatura oitocentista”, afirmou Abreu.


Criada em agosto de 2022, a Asa da Palavra já soma mais de 70 títulos publicados. A editora atua também como espaço de formação para alunos da graduação e da pós-graduação interessados no processo editorial, em um projeto que une ensino, pesquisa e difusão cultural.



O organizador da obra Moisés Santos Souza: acesso a obras literárias

O organizador da obra Moisés Santos Souza: acesso a obras literárias

Primeiro romancista de Sergipe


Constantino José Gomes de Souza (1825-1877) é considerado o primeiro romancista de Sergipe, segundo o livro História da Literatura Sergipana, de Jackson da Silva Lima. O escritor começou a estudar letras e latim ainda no então povoado de Estância. Aos 19 anos, mudou-se para Salvador (BA) a fim de se matricular na Faculdade de Medicina da Bahia – onde iniciou sua produção literária. Em 1849, transferiu-se para o Rio de Janeiro. Após a graduação, passou uma nova temporada em Estância e, mais tarde, retornou ao Estado carioca, onde viveu até falecer, aos 51 anos de idade. Na capital do Império, o sergipano conciliou as profissões de médico e escritor, tendo exercido também as funções de redator, censor teatral e dramaturgo.


Segundo o professor de história, o autor passou por três fases, iniciando sua carreira com a poesia (1845-1851), depois se dedicando à dramaturgia (1856-1869) e, por fim, escrevendo romances (1871-1877). Nesse período final, o autor finalizou cinco obras, duas publicadas como livro e três, em folhetins: O desengano (1871), A filha sem mãe (1873) – dividida em dois volumes, dos quais só o primeiro veio a público –, O grumete (1873/1874), Arycurana (1874/1875) e O cego (1877/1878) – este último permanecendo incompleto devido ao falecimento do autor.


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