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Crônica - Carlos Lamarca um capitão revolucionário que morreu apaixonado - Manoel Messias Pereira

 





Carlos Lamarca um capitão revolucionário que morreu apaixonado 


Era o dia 17 de julho de 1971 quando Carlos Lamarca escrevia uma carta para Iara Lavelberg, na qual Carlos de forma carinhosa dizia "Neguinha, a força de coletivização é espantosa, fico a imaginar uma fazenda coletiva e me babo só de pensar, que esta presente neste pensar. Releio o Manifesto Comunista e o Estado e a Revolução". 

Parece que nesta manifestação literária o que temos não é apenas um ser de esperança, que sonhava com um Brasil melhor e mais estruturado socialmente. Mas de um ser um humano que aprendeu a amar e dedicou parte de sua vida a essa história de amor. O que remete-me a uma seria de TV chamado de "Amor e Revolução". Mas nessa época eu era apenas um garoto de 16 anos, bastante confuso em relação a política e em relação as coisas do coração.

O que recordo desta época é que sempre no mês de junho no Brasil temos  as festas juninas, dedicadas aos santos católicos, Santo António no  dia 13, popularmente dizem que é um santo português e casamenteiro, uma vez que Santo António de Pádua era padre. Dia 24 a festa de São João, o santo que tinha a cara de menino lá no mastro e a figura de um carneirinho ao seu lado e pelo menos na figura ele tens o cabelo loiro e enrolado, como se fosse filho de negro com loira. Não sei como era nunca vi o rosto de Isabel ou de seu marido. E por fim a data de São Pedro, o que recordo era que neste dia a Viação Aprazível Paulista, uma empresa que foi vendida para a empresa Itamarati, lotava em múltiplas viagens para a cidade de Mirassol, na qual São Pedro é o padroeiro daquela cidade. E em Mirassol havia a queima dos fogos pirotécnicos. Um tempo de lembranças.

Eu em 1971 era apenas um garoto de 16 anos de idade, e cursava o terceiro ginasial o que corresponderia atualmente a oitava série do ensino fundamental e como todo o menino de minha época, tinha pouca autonomia para sair de casa e tomar decisões com certa independência. Acreditava que não tinha a maioridade, na qual eu pudesse apresentar-me aqui ou ali, e que devia obediência a minha mãe enquanto não tivesse os meus dezoito anos. Trabalhava mais ganhava um dinheiro irrisório. Por ser negro sempre tive o medo de ser agredido gratuitamente por autoridades pseudo policiais. Aprendi a conviver com a pedagogia do medo, com a insegurança transmitida por um Estado falido no comportamento de seus agentes de (in)seguranças. E sabia que morava no Brasil.

Enquanto todos comiam pipocas, soltavam rojões, beijava os santos, tomavam quentão, dançavam quadrilhas de forma satírica, pondo o caipira como forma caricata e sem discutir muito o papel do homem do campo, no seu trato com a terra com a seriedade dos produtos alimentícios que vão a nossa mesa, com as dificuldades das colheitas, e as tramas das organizações bancarias que muitas vezes fica com a terra com o trator e deixando aquele ser sertanejo apenas com a dor da saudade de uma existência feliz. Permitindo toda a dor de cabeça oriunda da sua existência.

Enquanto isto num dia 29 de junho de 1971, o capitão Carlos Lamarca, longe de sua amada Iara Iavelberg escrevia  para  compensara a sua solidão, perdido na cidade de Ipupiara-BA. E dizia "hoje é um dia santo, um dia de festa,  como sou clandestino, ouvirei ao longe, um pouco da alegria dos camponeses. Hoje encontrei com um velho e rijo companheiro politizado, conversamos. Senti aquela força revolucionária. Falei muito, esquecendo a autocrítica que devia iniciar. -Lembrei-me da sua critica e senti saudade, não da crítica mas de ti mesma." Eis ai o fragmento de uma solidão de uma noite junina.

Karl Marx dizia que o tempo é o campo do desenvolvimento humano. E penso que há tempo de espera, há esperanças, há desesperanças, e entre nós a lembranças e o sentimento de saudades, que é algo explicável apenas para quem tem a possibilidade de falar a língua portuguesa e assim expressar, algo que até leva-nos ao choro. Com isso acredito e concluo a visão filosófica marxista.

Karl Marx, obviamente li o livro de Morgana Gomes "A vida e o pensamento de Karl Marx" e  sei que ele estudou Demócrito e Epicuro que evidenciavam o materialismo, e Heráclito que falava sobre a dialética dois logos duas opiniões divergentes, e Marx defendeu o materialismo dialético histórico tentando superar o pensamento de Wilhelm Friedrich Hegel, o último filósofo clássico alemão, autor do esquema dialético, no qual existe de lógico, natural, humano e divino, no qual o que existe de tese e antítese, até chegar a uma síntese mais rica e nisto encontra -se com a teoria de Lwdwig Andreas Feuerbach, outro filósofo alemão aluno de Hegel, reconhecido por sua filosofia humanista,  que prega a religião como forma de alienação, que projeta o ideal humano em um ser supremo.

E no pouco fragmento de uma noite festiva num dia de São Pedro, em que muitos atribui o senhor das chaves do céu. Porém todos pensam em ficar vivos, todos sonham em lutar nesta terra, em que todos pensam numa salutar convivência, como Lamarca escreveu para Iara que lembrava da crítica dela mas não era essa a sua maior lembrança e sim era dela e provavelmente dos beijos dela do corpo dela, dos gemidos dela. Coisa que só o apaixonado pode entender, outras pessoas não. 

E esse tempo de saudade também foi parte do desenvolvimento dele dos últimos escritos lúcidos do capitão. Numa doce alienação religiosa e festiva, dos camponeses e a sua solidão no mato de Ipupiara na Bahia.

E o o que sei era que eu, um garoto de apenas quinze anos, completei meus 16 anos exatamente no dia em Carlos Lamarca fechava a sua carta para chegar até a sua amada Iara Iavelberg. E sei que suas palavras em fragmentos colhidos por mim dizia "Quero que você tenha cada vez mais interiorizado que te amo muito e, que preciso encontrar-me com você, pois morro de saudade, .te amo te adoro e segue essa carta impregnada de amor". Já não era mais festa de santo, já não havia mais foguetório, os dias passaram e era exatamente 16 de agosto de 1971, e sua carta virou um diário. E foi no  dia do meu aniversario,  em que  Carlos Lamarca acabara de deixar o seus sonhos escritos, com toda a ternura de um ser humano masculino que ama loucamente e docemente uma mulher. Porém um sonho que ele vai guardar para o céu aos que acreditam para a eternidade quem sabe,  pois antes de encontrá-la ele foi assassinado. 


Manoel Messias Pereira


professor de história, poeta, 
Membro da Academia de Letras do Brasil - Seção de São José do Rio Preto
Membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de São José do Rio Preto -SP
Membro do Coletivo Negro Minervino de Oliveira -São José do Rio Preto -SP.
São José do Rio Preto -SP.










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