Sobre diversidade, pertencimento e guerras culturais
VII Encontro de Cultura da Unesp foi palco de apresentações artísticas variadas, debateu temas contemporâneos e deu espaço para um diálogo aberto com os Comitês de AçãoCultural (CACs)
25/06/2025, 10:12 por: Fabio Mazzitelli

Ocurta-metragem de Julia Vidal "Sobre amizade e bicicletas", da Mostra Ecofalante de Cinema, enfoca o relacionamento de duas crianças, ambas pessoas com deficiência, que buscam fazer parte de uma competição infantil de rua. O desejo de se integrar ao grupo da maneira mais natural possível, apesar das diferenças, é o condutor do filme, apresentado ao público na sétima edição do Encontro de Cultura da Unesp, realizado no início deste mês no câmpus de São José do Rio Preto e que teve como temática central “Cultura e Diversidade”.
Assim como no filme, o desejo de pertencimento, a riqueza proveniente da diversidade e a defesa do direito das minorias foram elementos fundamentais para compor o mosaico das atividades desenvolvidas na edição deste ano do Encontro de Cultura. Como disse um docente durante uma das apresentações dos grupos de trabalho que discutiram propostas para a cultura na Universidade, trabalhar este sentimento de pertencimento por meio da integração cultural pode ser uma valiosa ferramenta para gerar interesse e fortalecer a permanência dos estudantes na universidade contemporânea.
"A cultura tem um papel importantíssimo neste pertencimento", afirma o professor José Paes de Almeida Nogueira Pinto, coordenador da Coordenadoria de Ação Cultural (CoAC) da Unesp, vinculada à Pró-Reitoria de Extensão Universitária e Cultura, promotora do encontro. "Ao reconhecer a diversidade, ao incorporar esta diversidade cultural, você traz para este corpo universitário todos os elementos que são necessários para o desenvolvimento e para o bem-estar desta população universitária."
Além de apresentações de teatro, de coral, de bateria universitária e do curta-metragem, distribuídas ao longo da programação, o evento deu espaços para um diálogo aberto com os Comitês de Ação Cultural (CACs), que ao relatarem suas ações evidenciaram algumas das particularidades regionais existentes nos 24 câmpus da Unesp, a universidade pública de maior abrangência territorial do estado de São Paulo.
"É superimportante este respeito à diversidade. Sempre frisamos que a Unesp está distribuída em 24 cidades do estado de São Paulo, praticamente cobrindo todo o nosso estado, com uma riqueza cultural imensa e extremamente diversificada", diz o professor José Paes Nogueira Pinto. "Inclusive o estado de São Paulo atrai muitos imigrantes. Então isso aumenta ainda mais este caldo de diversidade que nos faz muito ricos", lembra.
Na visão do coordenador da CoAC, aliás, um dos pontos altos do encontro cultural deste ano foi, em meio à situação dramática de milhares de palestinos na Faixa de Gaza, a exibição artística do grupo Nahawand, banda de música árabe que executa canções tradicionais da Síria, do Egito, do Líbano e da Palestina, terra de dois de seus integrantes.
Guerra cultural
Outra atividade de destaque foi a palestra de João Cezar de Castro Rocha, professor titular de literatura comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que comentou sobre o papel da universidade em tempos de guerra cultural. Para o docente, a universidade encontra-se em um momento histórico desafiador, semelhante àquele que motivou as reflexões do intelectual Wilhelm von Humboldt (1767-1835) no Século 19, em meio às transformações ocasionadas pelas revoluções industriais que massificaram o acesso aos livros e forçaram as universidades a repensarem seus projetos.
Autor de "Sobre a Organização Interna e Externa das Instituições Científicas Superiores em Berlim", obra de 1810 considerada precursora do modelo de universidade de ensino e pesquisa, importado para o Brasil na primeira metade do século passado, Humboldt ressignificou o papel da universidade, o que está posto como desafio novamente, segundo o docente da Uerj, para manter a relevância das universidades no Século 21.
Neste contexto, João Cezar de Castro Rocha se dedicou nos últimos anos a estudar o avanço de uma retórica anti-universitária sustentada por porta-vozes alinhados a grupos políticos de extrema direita no país, acompanhando os discursos de Olavo de Carvalho, Edir Macedo e Silas Malafaia, entre outros. "A universidade está sob um duplo ataque: sistêmico e ideológico. Temos que entender a natureza do ataque, motivação e retórica", afirma o docente da Uerj. "O (ataque) sistêmico é estrutural e diz respeito à forma pela qual produzimos conhecimento no Século 21", diz.
A ampliação do acesso a direitos fundamentais para a população e uma maior abertura da universidade para a sociedade são pontos que podem ajudar na superação do desafio atual, em especial dos ataques de fundo ideológico, de acordo com João Cezar de Castro Rocha. "Se nós voltarmos a nos reunir para conversar, olhar nos olhos, trocar ideias, escutar…”, refletiu o docente, que defende a literatura como um dos antídotos contra guerras culturais e discursos de ódio. "A literatura é contra-hegemônica, implica uma abertura ao outro, a fruição de um tempo diverso", disse. “Quando abaixarmos a temperatura, derrotaremos a extrema direita, entre outras coisas, lendo boa literatura", afirmou ao final do encontro.
A Coordenadoria de Ação Cultural se comprometeu a manter diálogo aberto com os comitês de ação cultural da Universidade e, no encerramento do Encontro de Cultura, fez uma homenagem ao professor Vanildo Luiz Del Bianchi, do Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce), unidade anfitriã do evento. O docente do Ibilce, que recebeu uma placa com a frase "os sonhos não envelhecem", é um dos decanos dos CACs e recebeu o reconhecimento em razão dos anos dedicados à formação de pessoas e ao ambiente universitário.
“A cultura tem que ser o quarto pilar da universidade”, afirmou Vanildo Del Bianchi.
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