Brevíssimas orientações para um pesquisador da literatura brasileira
Por Jean Pierre Chauvin, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP
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Publicado: 14/05/2025 às 19:22
Para o professor José Luiz Fiorin
Quem leciona literatura brasileira, frequentemente se depara com alunas(os) interessadas(os) em abordar algo ou alguém relacionado a essa área de conhecimento – ainda que a ideia esteja obscura, e o tema de pesquisa, indefinido. Esse tipo de dúvida, em meio a tantos estímulos, também se deve ao modo disperso como nos relacionamos com a leitura, especialmente desde a vigência da chamada era digital. Portanto, a primeira tarefa seria tomarmos consciência das circunstâncias e (re)exercitar a prática diária da leitura detida, sem a interferência dos anúncios; nem o ruído das redes ditas “sociais” – que fabricam haters, mas também instrutores, cujos conteúdos costumam ser apresentados de modo superficial e impreciso.
Se o(a) consulente estiver indeciso(a), a primeira pergunta que o professor(a) precisa lhe fazer é se o maior interesse do(a) pesquisador(a) está na prosa ou no verso. Em ambas as modalidades textuais, será relevante localizar o tempo e situar o lugar onde a produção literária aconteceu. A terceira providência consiste em avaliar a abrangência e a exequibilidade do projeto, tendo em vista vários fatores: (A) Comparar a ficção de dois ou mais autores? (B) Ler toda a poesia de uma autora? (C) Mapear um tema que povoou determinado momento histórico?.
Decerto, haveria diversas outras questões ligadas a fatores tais como gênero e espécie literária; estilo vigente em determinado local e período; léxico empregado na obra; modo como a historiografia literária situa, classifica e interpreta determinado poema, ou tratado, ou sermão, ou conto, ou novela, ou romance, ou correspondência, ou crônica etc. Seja qual for o caso, parece produtivo manter em mente as circunstâncias subjacentes à escrita, circulação e acolhida desses produtos.
A partir da década de 1960, em Constança, na Alemanha, Hans Robert Jauss e Wolfang Iser ensinavam que, ao criar uma obra literária, o autor previa a existência do leitor implícito; em contrapartida, o leitorado mantinha um horizonte de expectativas, mobilizado a cada livro com que tomaria contato. Em maior ou menor medida, a recepção de um texto, em prosa ou verso, varia de acordo com os tempos. Além disso, as várias camadas interpretativas podem tanto iluminar e valorizar determinada composição, quanto desprezar e reduzir a sua importância, face ao já estreito e reduzido cânone literário.
Ora, se aceitarmos o pressuposto de que o texto artístico (portanto, atento às técnicas de composição) admite diversas chaves de leitura, é de se presumir que determinados modos de o ler também variem, alternando-se uns intérpretes em relação aos outros. Por isso mesmo, a crítica literária não se confunde com a dogmatização das lições legadas pelos (nossos) mestres. De modo análogo ao que acontece nas chamadas ciências duras, haveria que se admitir a superação de determinados métodos, sem que isso implique desconsiderar o tempo e o lugar em que o historiador ou crítico viveu e, consequentemente, as ferramentas analíticas que tinha à sua disposição.
Ler a fortuna crítica de determinado autor ou obra costuma ser uma tarefa longa e complexa, mas é indispensável, especialmente quando o(a) pesquisador(a) experimenta a sensação de que seus interesses são múltiplos e, por vezes, incompatíveis com os prazos que regulam a vida pessoal e concreta, as atividades extracurriculares e a própria rotina acadêmica. Pensando bem, compreender a literatura como forma de conhecimento pressupõe observar duas lições que precedem as anteriores: (1) ter efetiva curiosidade pelo(s) objeto(s) que se vai estudar; (2) conhecer e aplicar métodos de leitura crítica (ou seja, judiciosa) – tanto sobre o objeto primário quanto sobre as impressões e hipóteses de terceiros.
Em todos os casos, a postura humilde e não egocêntrica precisa ser o primeiro degrau da jornada acadêmico-científica.
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