Ex-presidente José Sarney participa de evento pelos 40 anos da democracia brasileira
Conferência na Faculdade de Direito relembrou processo de transição democrática e contou com visita especial à biblioteca bicentenária da instituição

A Faculdade de Direito (FD) da Universidade de São Paulo realizou na última quarta-feira, 21 de maio, o evento 40 anos de Democracia no Brasil, que contou com a presença do ex-presidente José Sarney para uma conferência sobre o processo de redemocratização do País. O encontro aconteceu no Auditório Rubino de Oliveira, reunindo autoridades e membros da comunidade acadêmica.
O evento faz parte de uma série de iniciativas promovidas pela diretoria da instituição para reforçar o Estado Democrático de Direito. A escolha da data não foi casual: há exatos 40 anos, em março de 1985, o Brasil voltava a ter um presidente civil e encerrava um dos períodos mais sombrios de sua história, com o fim da ditadura militar que já se estendia por mais de duas décadas.
“Temos uma tradição importante em defesa do Estado democrático de direito. No dia 15 de março deste ano, quando comemoramos o aniversário de 40 anos de democracia no Brasil, fizemos uma cerimônia cujo cartaz de divulgação era uma foto do presidente Sarney. Isso porque nessa data nós temos o marco de sua posse e, portanto, o dia que muitos consideram simbólico como do final da ditadura militar e da retomada da liberdade. O presidente Sarney foi o condutor deste importantíssimo período de transição, com as tensões e desafios desta novidade, que exigiam temperança, capacidade de diálogo, superação de dicotomias e de intransigências, capacidade de articulação política e de conversa com todos os setores da sociedade brasileira. Hoje temos vivido uma polarização política que tem feito muito mal ao Brasil e prejudicado o desenvolvimento nacional, de modo que o exemplo dado pelo presidente Sarney é uma lição a ser estudada com muita atenção”, pontuou o diretor da FD, Celso Campilongo, ao receber o público.

O reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, reafirmou o papel político e social que a faculdade vem tendo: “Essa escola tem uma história muito bonita. É nossa unidade mais antiga, fundada ainda por um decreto de Dom Pedro I, e que representa um valor muito grande para a Universidade de São Paulo. Esse espaço também já foi palco de uma série de documentos e atos em defesa da ordem democrática, o que muito nos orgulha. Mais recentemente, nós tivemos, no dia 11 de agosto de 2022, uma manifestação muito representativa em defesa do processo eleitoral e depois, em 9 de janeiro de 2023, um dia após a invasão da sede dos nossos três poderes em Brasília, a sociedade mais uma vez se reuniu aqui dizendo que não aceitava o que estava acontecendo. Foram dois momentos da nossa história recente em que esta casa foi extremamente importante por lembrar que a democracia precisa ser cultivada por todos nós, em todos os instantes e em todas as nossas ações. Na USP temos feito este papel e, por isso, será de grande valor escutar o nosso presidente a respeito desse tema. Nós estamos acostumados a estudar história com livros, e hoje nós podemos ouvir a história viva aqui, com o próprio presidente contando e analisando os fatos que aconteceram na transição democrática, pelos olhos de quem viveu e protagonizou aqueles acontecimentos”.
Durante sua fala, Sarney relembrou os bastidores da transição democrática, processo que coube a ele conduzir como presidente da República entre 1985 e 1990, após a morte de Tancredo Neves. O ex-presidente destacou as diretrizes que estabeleceu para as Forças Armadas durante o período: “Golpe nunca mais! Sendo comandante-chefe, transmiti aos militares minhas diretrizes. Eram duas. A primeira, que o dever de todo comandante é zelar pelos seus subordinados. A segunda, que a transição seria feita com as Forças Armadas e não contra elas, pois isso tinha sido objeto de um pacto construído por todos os líderes políticos”. Na palestra, Sarney alertou para a necessidade de cuidado constante com os valores republicanos, citando a icônica frase “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, atribuída a Thomas Jefferson, um dos autores da Declaração de Independência dos Estados Unidos. O ex-presidente também comentou sobre tentativas recentes de atentar contra o Estado de Direito, mencionando os eventos de 8 de janeiro de 2023, que considera uma manifestação dos “saudosos da ditadura”.

“A Universidade de São Paulo é uma catedral do saber e um orgulho para todos os brasileiros, pois representa, na história do País, um pilar da cultura brasileira. Por aqui passaram os maiores políticos da nossa história — 13 dos 34 presidentes da República foram alunos da Faculdade de Direito de São Paulo. Desde cedo, esta venerável casa do Largo São Francisco esteve envolvida nos acontecimentos centrais da história do Brasil”, afirmou o ex-presidente. “Não se trata apenas de um curso de Direito criado por vontade pessoal ou corporativa — trata-se de uma exigência da nacionalidade. Esta escola acompanha a constituinte, a ideia central de independência e está entre as instituições fundamentais da civilização brasileira. Devemos reconhecer a importância da USP na vida pública brasileira, e o reitor acaba de reafirmar essa posição ao lembrar que a Universidade sempre sustentou os ideais democráticos, sendo uma fortaleza permanente em sua defesa”, ressaltou Sarney. “Quero fazer um apelo à Faculdade de Direito do Largo São Francisco para que ela continue zelando pela democracia — pois ela precisa ser cuidada constantemente. Precisamos estar atentos, pois a liberdade política sempre foi alvo de ataques, e cabe a todos nós defendê-la”, asseverou.

Sarney também fez uma visita especial à biblioteca da unidade, que está comemorando 200 anos de existência. Durante a recepção, dedicou um livro ao acervo e destacou o papel histórico da biblioteca como embrião da própria faculdade, lembrando que o decreto de criação do curso jurídico levou em consideração a presença desse espaço em São Paulo. “Impressionou-me ver aqueles volumes acumulados ali, símbolos do saber que fixaram a faculdade neste prédio. A decisão de instalar a faculdade aqui foi tomada justamente porque já havia uma biblioteca — os livros, afinal, são pioneiros no desenvolvimento cultural de qualquer país e sociedade. Caminhando pelos corredores, minha memória de intelectual e estudioso da história do Brasil foi despertada ao imaginar que por ali passaram Rui Barbosa, Castro Alves, Fagundes Varela, entre tantos outros grandes nomes da política nacional, como Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves e Joaquim Nabuco”, emocionou-se.
O secretário estadual de Projetos Estratégicos de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, participou do evento representando o governador Tarcísio de Freitas. Também estiveram presentes os ex-ministros Celso Lafer, Nelson Jobim e Henrique Paim; o ex-presidente do Conselho Nacional de Educação e titular da Cátedra Paschoal Senise, Luiz Roberto Curi; o ex-diretor da Petrobras e vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Ildo Sauer; a vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda; além de outras personalidades do cenário político e acadêmico nacional e dirigentes acadêmicos.
Acompanhe, a seguir, a íntegra do evento:
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