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Alto Comissário da ONU: "Guerra às drogas destruiu inúmeras vidas e prejudicou comunidades inteiras"

 


Alto Comissário da ONU: “Guerra às drogas destruiu inúmeras vidas e prejudicou comunidades inteiras”

14 maio 2025

Durante décadas, governos adotaram uma abordagem amplamente punitiva para controlar narcóticos. 

Especialistas da ONU analisaram que os resultados foram catastróficos, citando algumas consequências prejudiciais: taxas de encarceramento em massa, aumento de crimes e violência relacionados a drogas, números recordes de mortes relacionadas a drogas, aumento da produção ilegal de drogas e estigmatização e discriminação de comunidades inteiras.

Das Filipinas a Gana, do Paquistão à Colômbia, muitos países estão adotando políticas de drogas que passam da visão da punição e criminalização para uma abordagem mais eficaz e humana, com foco na saúde pública, dignidade e direitos humanos.

O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, discursa na abertura da 58ª sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra, em 24 de fevereiro de 2025.
Legenda: O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, discursa na abertura da 58ª sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra, em 24 de fevereiro de 2025.
Foto: © ONU/Jean Marc Ferré.

“A chamada Guerra às Drogas destruiu inúmeras vidas e prejudicou comunidades inteiras. Essas políticas simplesmente não estão funcionando, e estamos falhando com alguns dos grupos mais vulneráveis de nossas sociedades”, afirmou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, em discurso recente sobre políticas globais de drogas.

Durante décadas, governos adotaram uma abordagem amplamente punitiva para controlar narcóticos. Especialistas da ONU analisaram que os resultados foram catastróficos, citando algumas consequências prejudiciais: taxas de encarceramento em massa, aumento de crimes e violência relacionados a drogas, números recordes de mortes relacionadas a drogas, aumento da produção ilegal de drogas e estigmatização e discriminação de comunidades inteiras.

Porém, foram dados passos importantes nos últimos anos.

Das Filipinas a Gana, do Paquistão à Colômbia, muitos países estão adotando políticas de drogas que passam da visão da punição e criminalização para uma abordagem mais eficaz e humana, com foco na saúde pública, dignidade e direitos humanos.

Carta de Direitos da Escócia

Em dezembro passado, a Escócia lançou a “Carta de Direitos para pessoas afetadas pelo uso de substâncias”, um documento inédito que visa garantir que as pessoas que fazem uso de drogas e outras substâncias conheçam seus direitos, recebam apoio que precisam e sejam tratadas com dignidade.

“A Carta estabelece os principais direitos humanos que pertencem às pessoas afetadas pelo uso de substâncias e marca uma mudança significativa em relação à abordagem anterior de criminalização”, disse Alan Miller, um importante ativista de direitos humanos e professor de Direitos Humanos na Universidade de Strathclyde Glasgow. “Ela coloca as pessoas e a dignidade humana no centro.”

Miller presidiu a “National Collaborative”, uma rede independente que desenvolveu a Carta com a participação da sociedade civil, tomadores de decisão, comunidades afetadas, pessoas que fazem uso de drogas e de suas famílias.

Para Miller, a Carta foi estimulada, em parte, pelo fato de a Escócia ter apresentado, durante anos, a maior taxa de mortes por drogas da Europa, o que levou o governo a considerar as mortes relacionadas a substâncias uma emergência nacional.

“Claramente, a quantidade de mortes foi um ponto de mudança, mas houve uma alteração de narrativa”, acrescentou. "As famílias formaram grupos de apoio e começaram a se manifestar. O público agora vê o problema como uma questão de saúde ou de desigualdade e pobreza, e não traficantes de drogas".

“A Carta representa uma mudança no sentido mudar do foco na punição para privilegiar a prevenção, tratamento e apoio às pessoas afetadas pelo uso de drogas, conforme as Diretrizes Internacionais sobre Direitos Humanos e Políticas de Drogas”, ressalta o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk.

Desenvolvida a partir da legislação nacional e internacional de direitos humanos, a Carta inclui direitos fundamentais: o direito à vida, o direito ao mais alto padrão possível de saúde física e mental, o direito a um padrão de vida adequado, o direito à vida privada e familiar, o direito a um ambiente saudável e a liberdade contra tratamento degradante e prisão arbitrária.

Saúde e direitos humanos

A diretora-executiva da “Release”, Niamh Eastwood, afirmou que tratar as pessoas que usam drogas como criminosas aumenta sofrimento delas, além de causar estigma e exclusão que as impede de obter as intervenções de saúde que necessitam. “Release” é uma organização especializada em leis sobre drogas e campanhas para políticas de drogas baseadas em saúde pública e direitos humanos do Reino Unido, 

"Há uma diminuição dos padrões básicos de direitos humanos nesse grupo. Estamos falando de direitos aos quais todos nós deveríamos ter direito como seres humanos", disse Eastwood. “A Carta é a primeira de seu tipo e esperamos que haja mais.”

O assessor de Direitos Humanos e Políticas sobre Drogas da ONU Direitos Humanos, Zaved Mahmood, disse que, apesar dos desafios de direitos humanos com relação ao problema global das drogas, existe uma tendência de mudança de políticas punitivas para políticas baseadas em saúde e direitos humanos.

“Há uma aceitação geral de que qualquer discussão sobre política de drogas deve levar em conta as obrigações de direitos humanos dos Estados”, disse Mahmood.

De acordo com o seu mandato, a ONU Direitos Humanos trabalha com Estados-membros e parceiros para promover uma abordagem baseada em direitos humanos no desenvolvimento e na implementação de políticas de drogas, incluindo as Diretrizes Internacionais sobre Direitos Humanos e Políticas de Drogas, lançadas em 2019.

Uma abordagem diferente

Nas Filipinas, a ONU Direitos Humanos, em colaboração com o Escritório da ONU sobre Drogas e Crimes (UNODC), tem sido fundamental nos esforços do governo para reformar a política de drogas, interagindo com o Departamento de Justiça, o Departamento do Interior e o Governo Local, o Departamento de Saúde e a polícia.

"As Filipinas têm tido uma abordagem punitiva em relação às drogas. Sob a administração anterior, muitas pessoas foram mortas e o país ficou com um dos sistemas de detenção pré-julgamento mais congestionados do mundo", disse a assessora sênior de direitos humanos da ONU em Manila, Signe Poulsen. 

A ONU Direitos Humanos integra um inovador programa conjunto das Nações Unidas sobre direitos humanos com agências governamentais, a instituição nacional de direitos humanos e a sociedade civil para fornecer assistência técnica para reformas em áreas-chave, incluindo abordagens baseadas em direitos humanos para o controle de drogas.

“Embora ainda haja trabalho a ser feito, agora existe o entendimento e disposição para olhar com uma abordagem diferente”, disse Poulsen.

O trabalho da ONU Direitos Humanos nas Filipinas ajudou a fortalecer o apoio do governo para estabelecer um instituto forense independente para investigar mortes potencialmente ilegais, incluindo assassinatos relacionados a drogas. Também apoiou organizações de base, ajudando as viúvas em áreas como apoio psicossocial, acesso a serviços básicos e de construção da memória.

Pena de morte

A “guerra às drogas” foi acompanhada por um aumento da pena de morte, o que é contrário à lei internacional de direitos humanos. Em 34 países, a pena de morte é prescrita para delitos relacionados a drogas, sendo responsáveis por 40% de todas as execuções confirmadas globalmente em 2024, segundo a “Harm Reduction International”.

No entanto, nos últimos anos, houve progressos no caminho rumo contrário. O Paquistão aboliu a pena de morte para delitos relacionados a drogas em 2023. No mesmo ano, a Malásia retirou a obrigatoriedade da pena capital, dando aos juízes discricionariedade total em casos de tráfico de drogas.

“São sempre dois passos à frente e um passo atrás quando se trata de reforma da política de drogas”, afirmou a professora Adeeba Kamarulzaman, membro da Comissão Global de Políticas sobre Drogas e do independente Conselho Consultivo de Saúde da Malásia.

Em Gana, em 2020, reformas legais transformaram a estrutura da política de drogas para tratar o uso de drogas como saúde pública, oferecendo alternativas ao encarceramento, com o desenvolvimento de um plano nacional para reduzir as sentenças desproporcionais para delitos relacionados a drogas. A redução de danos agora está em vigor em quatorze distritos, com o apoio de seis centros de acolhimento.

Com o apoio da ONU Direitos Humanos, a Colômbia está implementando uma nova política de drogas que prioriza o desenvolvimento, a saúde pública e os direitos humanos no lugar das medidas repressivas e de segurança, como ocorria anteriormente.

Os históricos acordos de paz de 2016 incluem um capítulo dedicado à resolução do problema das drogas ilícitas, e a Comissão da Verdade enfatizou que a reforma da política de drogas deve fazer parte dos esforços de construção da paz.

A ONU Direitos Humanos apoia a abordagem colombiana para prevenção e eliminação do cultivo ilícito de plantas narcóticas, baseado na melhoria das condições das comunidades que dependem da economia das drogas com investimentos sociais.

Com o apoio do Escritório da ONU Direitos Humanos, o governo colombiano também está busca responder à violência gerada pelo tráfico de drogas e outras economias ilegais, combatendo as causas estruturais e fortalecendo a capacidade do Estado de garantir os direitos humanos.

Türk tem solicitado repetidamente uma abordagem transformadora na política de drogas, que seja sensível a gênero e inclua cuidados médicos voluntários, medidas de redução de danos, descriminalização, reintegração social e regulamentação responsável para assumir o controle dos mercados de drogas ilegais.

“As políticas de drogas que priorizam a saúde e os direitos humanos são mais eficazes e mais humanas.”

Leia a matéria original em inglês aqui

Para saber mais, siga @onuderechoshumanos nas redes e visite a página para o Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH): https://acnudh.org/pt-br/

ACNUDH

María Jeannette Moya e Felipe Iturrieta Gonzalez

ACNUDH
Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos







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